22/11/2007

Nápoles

O que será que pensa o vendedor ambulante africano em Nápoles para me oferecer um grande urso de pelúcia? Não posso acreditar que pensa em me vender, pois o urso me olhou dentro dos olhos, não como o deus da folgança fita quem o venera, mas como se olha para um mero passante. Não imagina ele que já porto coisas demais nessa viagem tão anárquica quanto o trânsito dessa cidade? Para quem acha impossível o anarquismo deveria observar o trânsito de Nápoles por algumas horas e veria que, apesar de a maioria dos carros ter algum amassado inevitável, não se vê tanto acidente assim.
O urso enorme e marrom continua a me olhar imaginando por certo para onde iria, se eu minutos atrás tivesse aceitado o cigarro que o indiano me ofertou e, delírio, o comprasse. Sequer ouviu falar do Brasil, saiu de uma fábrica chinesa onde o costuraram com uma pressa incrível e o embarcaram num navio hiper-fedido. O negro, seu dono temporário – para mim fixo - mistura dialetos : napolitano com africano ou sei lá o quê. Fala comigo como se cantasse, sempre olhando para frente, como se o urso fosse um objeto proibido e discreto, e ele quisesse passar a muamba.
Não percebe mesmo é minha falta de coragem para me lançar contra os carros e motorinos e pará-los espetacularmente com meu próprio corpo de Urso. Pensa que eu namoro o urso. Urso! Em Óstia, na praia, me catalogaram de orsetto – ursinho. Veja, um ursinho, desmanchou-se uma figura andrógina. Aquilo mexeu comigo. Busquei recolher quanto podia a barriga e fazer um ar mais sério. Os mundinhos fixos seguram-se em fios de algodão. Não percebem que meu olhar brilha para o mar, emocionado do Tirreno, na beira da morada de Poseidon. O vendedor me assusta, quebra minhas lembranças e insiste, deve-se ser agressivamente expansivo em Nápoles. Jogo a mão para o alto, reclamo dele, e me atiro contra a multidão de carros e lambretas novas, motorinos, parando-os com meu corpo. O sinal sou eu e pronto, assim o código. Pode freiar, maledetto, disgraziato, stronzo.
Depois da sofisticada Veneza – a pintura e o espelho, as luzes dos candelabros para o escracho e o sarcasmo napolitano. Os napolitanos estão se lixando para os turistas, se lixando para a formalidade européia – e isso é a sua própria singularidade, seu charme. Não é uma cidade para turistas comuns. Vi alemães com os olhos esbugalhados com tanta desordem – ou seriam olhares de inveja por existir outra maneira de viver? É o Vesúvio que derrama seus eflúvios de fogo
sobre os pipocantes habitantes napolitanos.