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Mas se ele, o filósofo, abraçou o cavalo que estava sendo chicoteado, tentando revelar-lhe sua própria força, eu também tenho dessas. Outro dia abracei em Copacabana uma velhinha que parecia desmanchada pelo tempo. Foi no calçadão. Ela vinha lenta, com a bengala e a enfermeira. Seu pescoço tombava para baixo, vendo apenas os desenhos famosos da calçada. A brisa a pegava de lado e ela pendia gingando como se remasse no cimento. Sorri para a enfermeira, assim como se pede licença para ver um bebê no carrinho, e toquei sua mão rugosa, manchada, mole. Ela parou, pensando ser algum conhecido. Eu me enfiei por baixo e, delicadamente, muito mais que suavemente, a abracei. Senti que seu toque tinha a generosidade dos anciãos. Beijei sua mão repousada na bengala e com a outra ela me abençoou, largando-a cheia em minha cabeça. Nada falamos. Nem olhei para trás, um choro convulsivo de alegria me assaltou como se eu tocasse o tempo, seu fio, seu frescor, sua vitalidade. A longevidade daquela senhora era a pura vontade de adorar a vida, o que ela cumpria sempre, mesmo se arrastando pela orla, sacudida pelo vento, torrando no sol das oito.
( de Autobiografia Inventada ).