11/07/2009

Ser ou não ser Geraldo?

(...) “Um tipo deixa de ser ele próprio, nessas alturas, e é doloroso não ser ele próprio,
ainda mais doloroso do que quando o é, digam o que disserem. Porque, quando se é,
sabe-se o que é preciso fazer para ser menos, mas, quando já não se é, é-se um tipo qualquer, irremediavelmente. (...)
Samuel Becket

Vi dois capítulos de Som e Fúria com direção de Fernando Meirelles. Uma adaptação da série canadense Slings and Arrows. É uma série estrangeira, como se dizia antigamente. Estrangeiro também é o diretor que foi demitido – por odiar o teatro - e ter em seu currículo peças onde há muita fumaça e onde um cavalo caga no palco. Parece que é uma caricatura, ou seria uma micagem?
É uma micagem de Gerald Thomas. O nome da personagem é Oswald Thomas ( Antonio Fragoso ). Ele não se lembra de algumas palavras em português, despreza o texto ( Hamlet ) e é quase um dândi, aviadadíssimo. Fiquei olhando aquilo, rindo. Caricatura aumenta o nariz, micagem deforma o jeito – ou revela o imitado assim, tresloucado. Oswald, chamado de Oswaldo por seu desafeto, é uma situação estrangeira para o meio: e ele com o ator global vivendo o príncipe ( de Copacabana ) embarcam para um teatro que estranha os clássicos, como Shakespeare. Esse porte de clássico das peças anula de alguma maneira o estrangeiro, pois etiqueta o universal ao nosso sabor. Sempre poderemos pensar pelos clássicos.
E não há nada cada vez mais atual que Hamlet. Na história há inclusive o velho diretor morto ( Pedro P. Rangel ) que aparece para Dante. E um Dante levado pelo espírito zombeteiro do amigo ao inferno de um elenco medíocre.
Então Oswald vai se perdendo nisso como um neon entre as luminárias douradas, um excremento de cavalo no palco sagrado do teatro. Um som gutural e anglo-saxônico diante do chiado male molengo carioca ( o Municipal é de São Paulo ).
Oswald é o experimento da trans-vanguarda que irrita o diretor. É a porta de saída, não da coxia, ele simplesmente precisa evaporar ( dizem que ele voltará e amará o texto ). Até onde vi, finaliza com um direto no queixo, na rua. Já estava com o braço ferido no duelo com Dante. Só se voltar como o cavaleiro da triste figura, insistente e ridicularizado.
O peso do Municipal requer o ritual do teatro – e é ensinado o fingimento à atriz posta na companhia por influência política. Eu disse: vi dois capítulos. O seriado busca o tom humorístico, e talvez consiga mesmo chegar nele.
Mas surpreendentemente observei que o diretor artístico Dante ( Felipe Camargo ) é quem realmente se parece um pouco com Gerald. Há uma reverência à irreverência. Uma referência à aceitação de platitudes, mesmo com o ator de tv e sua especialíssima maneira de criar a personagem.
Pelo menos o que conheço de algumas peças e por ele mesmo, Dante é mais Gerald que a metamorfose Oswald. Que tal se lembrar de Mattogrosso, onde se fez cinema no teatro( Municipal ). Ou a densa tragicomédia Terra em Trânsito, com tudo o que o teatro exige – inclusive uma diva ( Fabi Gugli )? Ou seria melhor Um Circo de Rins e Fígados – aristofanesca obra que a platéia ria, meio sem saber se podia? Ih, são tantas. Perdi algumas. Deixa eu lembrar. Deixa eu lembrar para de repente rir de Oswald Thomas e sua excelente micagem do espectro de um Gerald geléia geral remontado pelo olhar comum de uma crítica que tentou exilar estrangeirismos
( estranhamentos ? ) por aqui, mas fracassou.
Lembrou personagem de teatro amador, o Oswald. Quando se queria fazer rir no teatro amador metia-se logo uma mona de equê metida à besta no palco. Fácil. Todos riam. Nós rimos sempre daquilo que desejamos para o outro. A tal risada da casca de banana que faz desabar o desconhecido.
Alguém desejou Gerald Thomas assim, e semeou essa energia sobre ele no seriado.
Uma nuvem de pó de arroz sobre a imagem do dramaturgo que transforma o espaço em nuvens de palavras, ou silêncios de diálogos.
Ou seria impressões sobre Hamlet, seu olhar beckttiano e sua língua claudicante?
O olhar amortecido para o fantasma que sempre chega: esse fantasma.

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