Mas o que posso fazer se isso não me interessa? Pensei, enquanto na mesa todos comentavam as notícias, inúmeras, lidas e decoradas no Estadão virtual.
Olhava fixo para os que diziam naquele bar da Vila Madalena que os crentes injetavam cada vez mais dinheiro na igreja e essa grana voltava para o país para que os líderes comprassem tevês, perfumes e ouro. E daí? Quieto, mas perguntava-me: e daí? Não é a telogia da prosperidade? E os fiéis estão lá no jogo. Eu, com dinheiro, sei onde gastá-lo. Minha salvação sempre foi a saída. Sei meu caminho.
Depois os atos secretos e essas coisas tolas que tomaram de importância as mesas dos bares. Se a Marina ia ser mesmo candidata, e se Marina ia derrubar mesmo a Dilma. Tá, tá, eu voto na Marina, foi a única coisa que falei. Mas desconfiava que ela também poderia se trair.
Depois, Cecília falou de sua peça – de rua. E das leis de incentivo fiscal. Do ator que não quer ser chamado de ladrão.
Se o ator não quer a Rouanet, ótimo, há quem pague para assistir a seu espetáculo. Eu vi muito o Oficina a dez reais. O Gerald a quinze, o Antunes a trinta, não ia ver o Antônio a cem. Nunca. Com cem eu compraria as frutas do mês. Rimos. Cecília é engraçada. Espero que nunca vá a um talk show macaquear-se. Desses que o entrevistador quer aparecer mais que o entrevistado, e nessa busca coloca-o em situações de desconcerto, e arremedo.
Eu me preocupava com outras coisas sem nome, e vi quando Cecília ameaçou acender o cigarro, mas deixou a bomba apagada no canto da boca. Uma cigana ciscava de mesa em mesa, mas ninguém queria saber do futuro. Vi que tinha dentes de ouro e tinha um olhar de desprezo. Talvez sentisse frio pela saia de seda amarela. Talvez tivesse visto nosso futuro, de graça, no giro das mesas. Saiu.
Olhei para o bar lotado: havia alguma coisa estranha ali.
Havia alguma encenação em viver. Observei que ao garçon cabia o ato principal, o abastecimento daquela cena. E alguma música francesa era abafada pelo assunto da igreja e do senado. E da Marina.
Vi que o contista de contos mínimos me olhava, sua crença em acreditar em seu texto, seu marketing direto, encerado. Isso atrairia a fama almejada, por certo.
Alguém me disse: não é o contista mínimo? Sim. Eu notei que era seu personagem, pois ele me olhava e escrevia, como os desenhistas de rua. Pedi a Hermes para me lançar o véu.
Não sei, será que foi a valeriana que tomei em excesso, o fato é que uma descrença tranqüila foi me cercando – e o silêncio daquele bar foi tomando tudo. Comentaram o filme de não sei quem, o que o crítico falou de tal poeta, que o Mais publicou uma prosa estranha, que...
Alguém encostou sua perna na minha, não senti nada. Fiquei pensando no cigarro apagado de Cecília. Observei que ela o depositava no cinzeiro limpo de guardanapo, depois de tragá-lo. Um mundo melhor. Encenado. Falas prontas, marcações. Uma platéia adestrada.
Um mundo sem crenças e sem segredos. Um mundo aberto, sem o futuro da cigana, narrado pelo contista mínimo. O bar me apresentava isso. A Vila Madalena, uma mistura de Vila Isabel e Santa Tereza, concentrava-se mas não saía, como o bloco. O chopp aguado na noite fria cortava a possibilidade de algum conforto. A pizza gordurosa lubrificava os dedos, os beiços, os celulares.
Éramos presas da diversão fabricada.
Havia um confronto surdo naquele ambiente de festa, talvez fosse a ausência da fumaça, se os pensamentos antes da lei – mesmo inúteis – desenhavam-se pelas pequenas nuvens dançantes.
Olhei para meus amigos. Eles queriam falar de mais coisas importantes, mas só se se voltassem para Fellini, Glauber, Machado ou Proust. A atualidade estava muito apagada, eis que ainda iríamos descobrir Rimbaud. Descobrir seu barco bêbado.
O contista mínimo, cada vez mais feérico, escrevia no guardanapo, num cinzeiro de papel.
Não havia nada lá fora.
Virtualidades
13/08/2009
Não há nada lá fora
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