17/03/2008

Realidade provisória

Estranho, parece que as coisas não se sustentam se cobiçadas intensamente. As fachadas, as pre-intenções, os desejos contidos, a tudo isso maquia-se, maquina-se, uma realidade provisória, uma situação apática, um desleixo do tempo. Produziam-se contornos quase imperceptíveis, endosso de cismas, páginas em branco. A música que conduzia os movimentos e a mágica que entretia as crianças. Olhava-se para a frente, e no entanto essa frente era só uma casca de percepção, um eixo de descontinuidade, um acéfalo floreio do futuro. A quem pertence o futuro? A que eixo ou espaço a espera determina? Rompe-se a esfera do olhar. Ações corriqueiras. Emplastros, trejeitos doentios, eis o que eram os maquinários – eis o que eram os homens que passavam inermes por entre fendas e fios.

Eu estou aqui para relatar nada, na minha memória recai a imagem da ponte de ferro, do cântico sombrio e do verbo fácil. Eu estou aqui para ditar contra-ordens, imiscuir sinais e sensações, decorar saídas e inventar labirintos. Eu estou aqui, de dedo molhado, para indicar o movimento dos ventos, o redemoinho do dia-a dia e a situação do entorno. Eu estou aqui para afirmar talvez a melhor mentira e desfazer a cortina de fumaça em meus movimentados castelos de carta. Eu estou aqui para jubilar o momento e decidir a sorte de qualquer um, porque sei abjurar.

Eu estou aqui para cantarolar os mantras e espantar eguns. E ficarei aqui até que o dia amanheça, e me apague as sombras dos amores deixados, desleixados pelo tempo.

Estarei sempre aqui, quer queiram, quer não, para redescobrir acasos e indicar alegrias...