25/08/2008

Silêncio


Ontem estive com Lucia Fragoso Lima e Silva em seu esplendoroso jardim nos Jardins. Vocês ( quem são vocês? ) já repararam como Silva pode designar coisas diversas? Por exemplo: se escrevo João da Silva é uma coisa, se escrevo João Lima e Silva é outra completamente diferente. Será que a não preposição dá uma conotação de simplicidade? Bem, ela estava vestida elegantemente, para si. Percebi que tinha uma cor estranha no esmalte, algo azul – lilás, que a mortiçava um pouco. Preferi não olhar mais para suas mãos leves, mas isso era quase impossível pois o anel de diamantes atraía meu olhar. Sentava-se em um lindo banco de imbuia ( ela me disse que lera num site que a imbuia era resistente ao ataque de organismos xilófagos ), estilizado em bambu, o que a adornava mais ainda, às vezes parecia uma estátua de marfim, apenas movia a mão, como se buscasse o rapé. Falava-me nessa tarde de suas agruras, de uma cena que presenciara na Alameda Santos: uma criança tentara pedir uma esmola no farol ( mas ela falou sinal, porque tinha amigas cariocas ) e ela, condoída em ver aquela criancinha de nariz sujo e olhar inquieto arranhar o vidro laminado de seu Porsche, pediu ao motorista para que abaixasse o vidro o suficiente para lançar por ali uma nota de 20, que era a menor que encontrara em seu estojo de madrepérolas. Nesse instante, ela continua, olhando para um lírio que ameaçava abrir uma flor no jarro de jade, nesse instante o carro avançou, pois o sinal abrira. A nota, após agarrar na parte de cima da porta do carro, voou, e a criança – perdida – lançou-se contra ela e o trânsito desumano do entardecer paulista. E eu vi, Flávio, falava meu nome como se de um usuário de sua elegância, eu vi a cena tripartida, vi aquela criança sendo lançada pelos ares, como a nota. Não era um espetáculo de golfinhos, eu me atingi. Um silêncio pairou no amplo jardim desenhado de Lucia Fragoso Lima e Silva, não ousei interrompê-lo, também acompanhei o lírio esparsado que trazia à vida aquela majestosa flor branca e que enfeitava a entrada do pequeno templo ao deus Nada. Os dedos de Lucia arranhavam seu belo vestido de seda, como se prenunciasse um ataque de nervos. Depois percebi que era um chamamento para seu gato Siamês, que sempre a acalmava nas crises. Tomamos o chá em silêncio, a noite chegava lentamente e seu diamante brilhava, piscava para o verde escuro da mata domesticada – comunicando o ponto de referência para a criadagem, sempre rondando a 20 metros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Meu blog de gaveta.