07/02/2009

Outra montanha

Esforçava-me para sentir que ali morara meu avô, mas o que via mesmo era um povo desconfiado da minha presença e um temor adaptado em sisudez, por um terremoto acontecer a qualquer instante, semelhante ao que detonara a igreja de São Niccola. O que me impressiou mesmo não foi ver a casa reformada, onde habitara meu avô, mas a mulher camponesa que do meu quarto do hotel eu focava por força do ângulo. No fim de tarde ela pastoreava as galinhas, e todos os pertences de seu quintal iam aos poucos sendo postos para dentro de sua cabana. Um banco grande, de madeira, parecia bem pesado, fui ao banheiro, quando voltei cadê o banco? Eu, em dois dias, me acostumei com aquela senhora pelando tomates, solitária nas suas roupas cinzas, manchadas, seus lençóis encardidos. Ela domesticou meu olhar que vazava daquele hotel para idosos onde fui jogado por falta de opção na cidade. E depois, o melhor: eu abria a janela e aos poucos o cheiro do fogão à lenha entrava trazendo junto um cheiro úmido de tomate cozido com manjericão. Quando resolvi descer a pé até Lago Negro, porque a cidade resolveu me deter no carma, nem sequer imaginava os lugares que a carona na subida me roubara. Casas de pedra, ângulos para a sequência de montanhas, fábrica caseira de macarrão, eles postos secando ao Sol. Criação de dálmatas, uns quarenta correndo num cercado – onde pedi água. Trata-se bem um forasteiro na Itália, herança grega, vai que é um deus. O homem me serviu a água numa taça quase de prata, lembro que meus dentes morderam a borda por volupia, autônomos, pela beleza do objeto. Vi também gaviões gritando sobre mim, avisando a invasão de área, ou se um áugure lesse para mim mensagens dos antepassados... Andei uns cinco quilômetros, pois surgiu um carro com um cara bem simpático que me cobrou a gasolina depois, contou que minha família era de artesãos do mármore e descemos para a bela Maratéia - cheia de vogais.