09/04/2009

O calvário da Paixão

Ainda sinto o peso que a cidade de Roma me trazia. Mesmo com sua beleza desenhada pelos mármores, havia algo naquela cidade que não batia comigo. Seria a plêiade de eguns que circulavam nos monumentos esfarelados? Tudo era pesado: os contatos, as pessoas que dividiam casa ou pesquisa, as festas e passeios. O apartamento ficava perto do Coliseu, anfiteatro Flavius. Na semana santa, que eu tentava em vão ignorar, o Vaticano fez a Paixão de Cristo no próprio Coliseu numa demonstração clara de vitória do tempo, na arrogância humilde dos cristãos. Uma enorme cruz mapeava o centro do Coliseu e uma frase tipo “vencemos” explicava o porquê de estar-se realizando ali a liturgia, a Paixão de Jesus lá no Oriente Médio. Eu nunca entendi bem o porquê Paixão e também por que não se deslocava o Papa e seu colégio de cardeais para o local específico, para Jerusalém e cercanias. Não, Roma é a capital do cristianismo, e apesar de ter a chuva de areia e sacerdotes aos montes, estava bem longe do cenário, mas não do poder da religião, pois foi ali que Pedro edificara a igreja.

O engarrafamento ia monstro, e a procissão escoava lenta para o espaço em que tantas e tantas vidas tinham se perdido no enfrentamento com o império, antes da redenção deste. Por isso aquele simbolismo vermelho e dourado, aquele cheiro de mirra e flores, aquele ar de glória. Eu via aquilo tudo com uma indiferença domada. Era como se fosse um jogo do botafogo com o fluminense, não havia interesse, apenas era obrigado a presenciar porque me metera desgraçadamente em um ônibus - o metrô estava impraticável - e o motorista se recusava a abrir a porta antes do ponto. Quando finalmente ele abriu, mais por insistência dos peregrinos que já ameaçavam sair pela janela, me vi jogado em meio à multidão silenciosa. Um arrepio estranho me passou pela nuca e pude observar, mesmo que a contragosto, que as pessoas choravam baixinho a morte do avatar pelos romanos assassinos. Nossa senhora, como é complicado assumir tranqüilidade quando não se consegue caminhar, e, pior, quando se está à força sendo arrastado para um evento que não te interessa. Não era Jesus quem estava ali na grande cruz, mas a humanidade pecadora. Não era ele quem falava, mas João Paulo II. Saí de esguelha, fingindo estar correndo para o banheiro químico e consegui algum espaço para me reequilibrar. Velhas senhoras de preto, emperequetadas de morte, soltavam a voz no acompanhamento da grande voz que vinha lá de dentro. Um grande leão devorava o maior defensor dos humildes e os humildes e puros de coração respondiam ensaiados os lamentos. Vi que se pulasse os cabos de alta tensão alcançaria a outra rua e, numa quebrada, rumaria em paz para casa. Foi o que fiz, apesar do cerco dos guardas não entendendo como que eu me esforçava para me desvencilhar do magno evento. Estava meio pirado já, tenho claustrofobia, e respondi apressado: sou de Xangô, não posso com rituais de morte...Volto na Páscoa.