16/05/2009

Ficou com quem mesmo?

Sempre fiz parte do grupo que acha que livro bom é para circular. Emprestar um livro que gostamos é como derramar o prazer para as pessoas, estendê-lo, ficamos assim - autores de empréstimo - quando a pessoa gosta também.
Vamos circular os bons livros, vamos? Sempre fui assim. E hoje olho minha estante: onde está minha coleção completa de Machado, os romances que adoro, onde estão Woolf, Flaubert, Hemingway, Fitzgerald, Dostoiewsky, Borges, Cortázar ( só ficou Cronópios e famas, mas e o Jogo da Amarelinha? ), Drummond ( 4 ao menos ), um do Luchesi autografado ( e ele profetizou: um dia vou encontrar em um sebo ) e o barroco A Cachoeira das Eras de Carlos Emilio Correa Lima? Deve ter sido a mesma pessoa que levou o Jardim Brasil: conto do meu amigo Ronaldo Lima Lins, que eu nunca consegui avançar porque uma personagem tinha três possíveis nomes, autografado também. Ronaldo devia escrever mais.
Pior: Pedaço de Santo, do Godofredo O. Neto, que eu revisei. E dois da coleção Crônicas da Cecília que fiz toda a revisão ortográfica, quando o projeto estava com a Lamego, e nem com crédito fiquei? Não sei mais onde estão. Eu não sei onde foram parar.
Sei que Machado foi para a irmã de uma ex-amiga que tinha sofrido um acidente e estava destinada a ficar presa por meses na cama – e Machado foi para lá em peso, para socorrê-la da inércia e do tédio. Mas isso foi há sete encarnações, e como o bruxo atravessa os tempos ficou apenas sua ausência.
Sei que Virginia Wolff, Wilde, Proust e Borges foram em direção a um amigo produtor musical que se mudou para Santa Tereza quando de lá eu saía – também acidente e imobilidade o motivo do empréstimo. Nosso amigo em comum, publicitário, achou a idéia genial. Pois é. Poxa, ele vai ficar feliz com isso, falou daquele jeito libriano. Deve ter ficado. Nunca mais o vi, pois quando fui a sua casa na montanha, e acordei com um cara cortando uma mangueira jovem, fiz um escândalo geral – eu sou assim, o que posso fazer? Ah não, minto, o encontrei de raspão numa roda imensa de capoeira na Glória, mas eu estava falando agachado com a mãe Beata de Yemoja ( me disseram que é assim que se escreve ), que comandava a festa – não ia ter coragem também para me levantar e tocar em assunto tão delicado. Sair do entorno da sacerdotisa para relembrar os livros, não cabia. E ela me falava sobre coisas tão agradáveis.
Eles se foram, os amigos, conhecidos, e ficaram com os livros.
Depois de um certo tempo emprestado, o livro não mais nos pertence, torna-se um incômodo abissal lembrar-se dele – como se fosse uma agressão desnecessária, a pessoa torce o nariz, muda de assunto ou corta de vez o ralo contato. É um ultaje reivindicá-los.
Falei com a ex-esposa do psicanalista que levara Paris é uma festa e ela me olhou rija, como se eu invadisse a sua casa com essa lembrança. Naja. Disse que ia dar uma olhada, porque as coisas do marido não estavam há muito por lá, ainda bem que peguei antes Shiva e Dionísio.
Uma afronta, uma falta de educação, pior que dinheiro emprestado, é essa cobrança amena do livro que foi gentilmente emprestado. Fiquei com Joyce do meu elétrico amigo Prata, mas ele me pediu para guardar porque tinha ficado sem casa fixa, estava desovando tudo na Berinjela mesmo e eu intercedi por eles, estou também com Tristan Shandy, o Sthendal é meu, ele sempre confunde. Fiquei com um Zaratustra da Marcela, e sempre que vejo seu nome na primeira página digo: tenho que devolver esse livro para minha amiga, a pessoa mais ética e nobre que conheço. Tenho também um Pessoa de Barino, mas ele ficou com A máscara de Apolo, foi uma espécie de troca. E resultou em algo mágico: li muitos poemas para Jaine, na rede, que infelizmente perdeu a visão.
E tenho um Barthes do R., mas ele me deve muito mais coisas que um Barthes, que não é peça de troca. Quantas vezes disse a ele para não ter surtos esquizofrênicos nas ruas porque as pessoas não gostam? Quantas vezes eu disse que a sociedade repudia as esquisitices? Fui obrigado a brigar com sua família para soltá-lo do hospício abandonado do Estado, e isso me custou uma vaga numa federal, que a banca não perdoou meu currículo assim acoplado às pressas, o professor da USP ficou até constrangido – ele disse – com tal desleixo e que a academia...
( mas isso foi principalmente por causa dos cursos das faculdades do general e do senador biônico, que não gostam de dar declarações, porque dizem que os professores fazem mau uso delas, e tive que levar os convites soltos para o currículo ). Ufa. Êta novelinha.
Esse pessoal da USP é muito.
Falando nisso, fiquei com Il Fuoco da Paola, pensava ser dela, mas descobri que era da Maria, de qualquer forma a Paola, bem, ela foi uma Foscarina, uma fogueira na minha vida.
Depois de distribuir meu livro de contos para algumas pessoas – Jean e os Bruxos, comecei a recolhê-los, foi uma decisão dita branda, no entanto. Foi um livro lançado para me livrar dos textos, ainda não existiam blogs. É um livro estranho, às vezes chato, com erros grosseiros, às vezes releio no banheiro. Tem coisas boas também que que há? A última vez que pensei em relançá-lo foi para o Gerald, que sabe ler longe, mas nos desencontramos.
De algumas pessoas não consegui resgatá-lo, queria pegar de volta com Carlito ( mas ele com seu apostolado do rigor – deve nem ter lido e largado em alguma mesa da Leiteria Mineira), nem o intelectual federal que discursa belezas, mas escreve reto. Eu lembro que era um intelectual emprestado de outra faculdade e que mandava ver na crítica, mas não me recordo seu nome. Eu não fiquei com receio da crítica dos cadernos porque ela só resenha a pedidos e a editora era fraca, quase caseira.
De Bárbara eu peguei de volta, e ela ficou muito irritada, até escreveu abaixo do autógrafo outro texto me espinafrando. Me arrependo de ter terminado com Virgo antes de tê-lo tirado de suas mãos – ela é da linha da Ana Cristina e do Leminski. Uma linha e tanto. Eu, desalinhado, nunca entendi nada também dos concretos, mas tem aqui crisantemo no espaço curvo nasce um de Haroldo de Campos, São Paulo: Perspectiva, 1998. Poesia Brasileira 1. Título 374 páginas!
Será que as pessoas que ficaram com meus mais de 60 livros pensam assim: tenho que devolver esses livros ao Alan? Viviane devolveu a Lygia porque me lembrou, veio por correio ( mas tive que barganhar fotos de sua família mineira tiradas na minha máquina para lembrá-la da lembrança, tipo uma brincadeirinha, e lá veio Antes do baile verde me reencontrar ) intacto.
Mas a irmã de minha ex-amiga passou trotando por mim, bonitona que só ela, e soltou um oi ao vento, esse oi foi como um cadeado sem chaves para a volta de Machado e Lélio.

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