21/06/2009

O ato secreto de Ninguém

Desde o processo de renúncia/impeachment de Collor não se parou mais com a onda de escândalos e suas revelações. Não separamos mais a política de maracutaias – espécie de extensão natural da profissão não regulamentada. Passamos pelo lodo do mensalão escandalizados com o PT, que criou-se e se fortaleceu na tese da ética na política. O partido parece que também não sabia que o jogo do poder – o poderio do jogo – poderia levá-lo para onde sempre pautou sua crítica. O PT frequenta hoje o espaço de suas críticas ferozes por décadas. Que doido. Ou era apenas um estratégia? Um discurso roteirizado para forçar a aceitação do círculo, uma contra-senha?
Havia, e há, uma palavra mágica que adere a antigos, e novíssimos, movimentos de atos políticos, uma aceitação generosa da agilidade e maneira peculiar de se fazer política, tradicional, e supermoderna. A palavra é: governabilidade. Ela que sustenta as línguas dobradas e os conchavos. A governabilidade, para não se romper, impedindo a suposta ação benéfica dos governos, é uma aceitação a priori do outro, com suas manias, idiossincrasias e jeito diversificado – uma ação para além do comum. A governabilidade e seu fim tem que superar essa cisma do comum, de que as coisas tem que estar submetidas a uma ética. Tem uma expressão que lhe assegura os atalhos e lhe dá a camada de importância: Em nome da governabilidade! Depois disso, portal e porteira abertos.
Então, expressões novas e bastante usadas também vão se acercando de nós como o chatíssimo diferenciado, que já deveria partir sem saudades, pois quer ser um adjetivo de marketing do diferente, e já tornou tudo igual. Expressões servem para isso às vezes, nos fazem entender que nem tudo é como nos parece.
São elas que a política brasileira adotou com carinho e buscam significar uma indignação ingênua: não sabia , não me lembro e não sabia ( juntos), desconheço, estava distraído quando assinei, me enganaram, eu nunca soube disso, isso é tudo uma armação, uma conspiração etc. As revelações pela imprensa de escândalos perdem seu vigor, e domesticados pelo não sabia, voltam-se violentamente contra quem os revelou.
E aí incluímos as Ongs, quase culpadas por existirem vários desmatamentos e fazendas e grileiros e tudo o mais na Amazônia. Devastam a floresta mas eu não sabia faz com que se reconheça que o ato, enfim, foi inevitável, e necessário oficializá-lo. As Ongs, elas devem ter outros interesses, pois mentem, afirmam. O que elas dizem, afinal? Que o desmatamento está a toque de caixa, 11 mil quiilômetros em um ano, que agropecuária não é uma atividade para a Amazônia, que há terras devastadas e abandonadas ( nasce um capim duro que dificulta a pastagem e os produtores optam por devastar novas áreas ). Que o projeto para a região tem que ser de manejo de recursos florestal ( até agora não li nenhuma referência a Chico Mendes, era sua ação magnífica, foi assassinado por isso ), atividades que incluam a Floresta e não atividades que exterminem a Floresta. Utilizam dados do Inpa, ou seja: dados do próprio governo. O governo com seu discurso dúbio vai permitindo uma realidade já bem conhecida: assim fizemos com a Mata Atlântica, o mesmo discurso de desenvolver uma região e desmatar.
Vamos bem.
Vamos bem também se reconhecermos que o desmatamento da Amazônia não é benéfico para o Brasil porque o mundo está de olho no nosso ato secreto, e pode impedir investimentos e exportações. São os interesses internacionais que nos impedem de construir o maior pasto a céu aberto do mundo então? Não sabia, pensei que pensávamos a Amazônia como algo vital para nós por ser um ambiente multi-ambiental. Uma reserva natural do planeta que sobrou do macro – expansionismo. E criar um novo conceito de desenvolvimento - sustentável- na região.
Mas eu sou um homem comum, qualquer um, e não sei mesmo lidar como esse arcabouço ( calabouço ) de interesses e jogos de poder. Ou então, fico pasmo, daqui a pouco eu terei que ser responsabilizado porque um homem não comum, incomum portanto, tem sobre si a responsabilidade de sua história? Se é não é um qualquer, seria natural que as críticas tenham o peso de sua notoriedade. Ou será que só aos comuns, como aquele motorista do ex-ministro, deva se dar tratamento investigativo especial? Se o poder legislativo - ou qualquer poder - se abala ou se enfraquece com descobertas de maracutaias, então não se investigue mais nada e deixem em paz os eleitos, nas suas salas de mármores, tramando merecimentos.
E me deixem em paz também, porque se nem a revelação de escândalos, nem o detalhamento de todas as ações do tradicional jogo político modifica o cenário, o que fazer? Será que alguém ainda espera que os profissionais irão largar o osso de ofício, e irão postular que outros assumam a condução do estado? As opções que temos para a sucessão disso tudo são exatamente o seu prosseguimento, piorando aqui ou melhorando acolá. E as não opções também são a marca de que sequer conseguimos sair dessa dialética barata, dessa notória lorota de país enrolado em suas próprias artimanhas.
Alguém imagina que depois da própolis do eu não sabia alguma infecção dos que querem mudança vai se instalar?
Parece mesmo que o ato secreto foi realizado por Ninguém, aquele mesmo Ninguém que o saqueador de cidades se intitulou quando fugia do Ciclope, depois de tê-lo furado o olho: diga que meu nome é Ninguém, gritou o industrioso do seu navio para o monstro cego e raivoso.
Eu não sabia que Ninguém fizera seu ato secreto. Eis a manchete estampada.
É o país que construímos!

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