06/07/2009

O eclipse da serpente

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Entendimento rompido, frações de realidade, realidades inventadas, sentimento tardio, ironias virtuais, estresses reiniciados... Há um pacote de atitudes falidas e de silêncios fabricados nessa era. O mal desse século ainda não se formatou bem. Se há o excesso de informações, há também um grande tédio pelas suas repetições. Se há excesso de comunicações, há um excesso de banalidade em tudo o que se diz e faz. E se há uma busca intensa pelo novo, o natural cada vez fica mais sofisticado e raro.
Ontem zapeei, e o maior canal aberto apareceu para mostrar pessoas em lamas brancas catando trocados, flutuando em águas, por onde passeava uma cobra inocente - ela buscava a fuga daquela contaminação. Aquela água de estanho espelhava a euforia do espaço limitado, desenhado para ser uma ruína. Aquela serpente, alheia, roçando as pernas dos determinados, injetava um estranho veneno do inútil. Uma audiência montada em ações de busca por dinheiro molhado. E a dicção do ator, que comanda o entretenimento, entediava o resto de uma aventura falida. Um embarque na bobagem de ambientes montados para borrões de sentimentos.
Ou embarco na leitura da doutrina do choque, de Naomi Klein? Mas quem ficaria relaxado numa praia de tsunamis? Tomando o seu solzinho e sonhando levemente com a possibilidade de uma onda de 30 metros banhá-lo na areia?
Lembro do mal de Lua, dos contos-fábula de Pirandello. Mudou a Lua, mudou o homem. Algo mais humano quando a Lua justifica alterações, se somos mais líquido do que carne. Se somos mais fleuma que mente. Se há o eclipse – como hoje – vamos nos eclipsar, o que quer dizer recolhimento e silêncios? Nada disso, o silêncio está em férias. Voltemos aos males ocasionados pela natureza. É uma boa saída para quem já perdeu contato com a humanidade, com a sua e com a do mundo.
Mas que se por qualquer percalço ou enrosco eu buscar entendimentos, projeto-me em círculos de cinzas. Não há saída para.
Mas a bella barthesiana se calou, interpretando alguma voz minha como réplicas. Eu disse: abre o jogo pra mim? Era para o oráculo que ela usa, ela leu: para os segredos menores?
Me disseram que há uma espora no logotipo do governo. E sempe que leio o texto ele se altera para ... um país de tolos. Toldos.
Há sempre um arroba entre minha voz e o outro. Há sempre uma arroba a mais na minha dedicação a uma estética perdida. Há sempre arrobas destroçando a grande floresta, para encher o prato de carne e as contas bancárias. O perigo do que se abre, abreu.
Sim, o mal do século talvez seja o arroba. Ele possibilitou uma facilidade para o dizer, para a pressa de uma realidade avessa. No inverso da intenção, a comunicação hiper dinâmica quer se fazer – e se faz pela velocidade e embriaguez do arroba.
Cherez de absinto.
Talvez seja esse mal um antídoto ao excesso de exposição. Um para trás em redemoinho cinza. De novo o cinza. Cinzas.
O criador, mais que inteligente, me observa. Percebe meu delírio. E inquieta-se. Depois diz, sem mais nem menos, ultrapassando toda minha análise rala:
- Você está oprimido?

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