09/01/2010

Um Nietzsche em bom português

Em mil novecentos e quinze (?) eu fiz um curso na Faculdade de Filosofia como ouvinte. Era um curso seríssimo sobre Nietzsche, me disseram. Curioso em saber como a Academia tratava, lia e estudava o filósofo, pedi permissão ao professor – educadíssimo. Ele me fez algumas perguntas ( devo ter acertado as respostas, porque ele aceitou minha presença com um aceno firme na cabeça ).
Ser ouvinte num curso de pós-graduação é ir ao encontro do fundamento maior da Academia: pesquisa. Não existe preocupação com monografia, lista de presença e outros adereços desnecessários. Só o curso interessa.
A ementa evocava estudo criterioso do pensamento de Nietzsche. Era o que eu precisava. Meu Nietzsche era solto, pouco sublinhado e totalmente sem métodos. Era um Nietzsche literário – voltairiano. Precisava desse choque de rigor. Ao chegar no primeiro dia na sala lotada, onde encontrei lugar lá no canto da janela barulhenta, verifiquei pequeno constrangimento: todos tinham o Nietzsche original no colo e nas mesas. E agora? Não tinha na ementa pré-requisito do conhecimento do alemão. Para mim, nessa minha diluição, a linguagem do filósofo era única, algo assim como um anti-esperanto, uma fala que afrontasse os limites de um idioma. Era apenas uma burrice minha, pois eles estavam justamente ali para decifrar o refinado jogo de palavras que o filósofo fizera com a língua alemã!
Desses jogos e trocadilhos, aglutinados ou não, sairiam interpretações cada vez mais frescas e sofisticadas – como extrair o supra-sumo das idéias dele.
Mas eu não podia recuar, não podia me esconder embaixo da carteira ou sair de fininho. Levava comigo, escondido, a coleção de Os Pensadores, com tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho e pós- fácio de Antonio Cândido.
O professor entrou lentamente, bem diferente das palestras-relâmpago de Escobar.
Começou, sem mais nem menos, um ritmado virar de páginas: Reden e überreden. Voei. Guerra interna na classe. Dieses Suchen nach meinen Hein wan meine Heimsuchung.
Hein? Todos estavam judeus no livro, um ruivo flutuava na carteira da frente e aproveitei para ver que texto se tratava, na menina ao lado. Saquei discretamente Os Pensadores e localizei o texto – Zaratustra.
A discussão ia acalorada, mas ninguém se desviava do texto e anotações. Parecia uma reza de descobertas e advinhações.
“ Essa procura pelo meu lar, Ó Zaratustra, bem o sabes, foi minha tortura particular, ela me devora”.
Verscherzen und verschmerzen
“ Tu perdeste o alvo: ai de ti, como irás folgar e desafogar essa perda?
Eu falei só para ajudar, para ver se desempacava aquilo. Foi minha timidez que me fez ler em voz alta a tradução.

O professor levantou a cabeça lentamente e disse:
- Bom, ouvinte, muito bom. É isso gente. Achamos o significado. Claro que é isso.
Todos se viraram para mim, me medindo. Meus joelhos espremeram a mochila e a fraude. Na verdade queria revelar na hora que era a tradução do ilustre Rubens mas eles, superado esse problema de quinze minutos, partiram para outras complicações semânticas. Também fiquei temeroso em afetá-los com tal ação menor, um livro que se compra nas bancas, na esquina...
Claro que na semana seguinte nem passei perto do curso do mestre Bentinho.
Porque meu Nietzsche voltava a ter essa tradução, essa voz em português que sempre foi a dele.

12 comentários:

  1. Anônimo9/1/10

    Você dever estar brincando Alan. Aliás, quando não está? Gostei do texto, mas para quem conhece ficou claro de quem seria o curso.
    Adriano
    Abraço

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  2. Regina9/1/10

    Oi Alan, tudo bem? Fui sua aluna na Estácio. Não entendi o texto. Você considera a tradução melhor que o original? Um texto no original é insuperável, não é? então porque você escreveu esse?
    Rê.

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  3. Maurício9/1/10

    Blz Alan? Essa traduçãop é a única em português de Nitzsche? Sabe me dizer se em espanhol é melhor? Abç

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  4. Ezyr9/1/10

    O ALAN VIOLA!!!

    Li você lá NO BLOG DO VAMPIRO DE CURITIBA, e resolvi VISITAR VOCÊ de NOVO, depois de OUTRAS VEZES quando O mestre DRAMATURGO Gerald THOMAS ainda estava "TOCANDO" O BLOG dele COM O I.G, em 2008.

    Ao contrário da REGINA, entendi BEM MESMO seu TEXTO FLUIDO .Só valeria SABER MELHOR AS REFERÊNCIAs DA FACULDADE e do "Escobar" por ex.

    Como TRADUTORA E INTÉRPRETE, e por experiência de análises, DE FATO, é MELHOR , se PUDERMOS "LER O ORIGINAL" , a não ser que a A TRADUÇÃO seja "au-to-ri-ZA-DA", dái dá pra CONFIAR, entende?
    ----
    Acho q VOCÊ PODERIA TER-SE INTEGRADO NA BOA com a CLASSE TODA mesmo c SUA TRADUÇÃO que é BOA , mesmo q VENDIDA NAS BANCAS.Há muitos LIVROS TRADUZIDOS E COM PREÇOS POPULARES ÓTIMOS.

    É TUDO MUITO RELATIVO ao TRADUTOR e à EDITORA. Às vezes UMA SUPER EDITORA comete ERROS CRASSOS DE TRADUÇÃO por causa da REVISÃO , por ex.

    Mesmo com UMA TRADUÇÃO não recomendada, ou com A SUA, VOCÊS poderiam TER RELEVADO E "COMPARTILHADO O CERTO trazido PELO ORIGINAL EM ALEMÃO".

    TUDO é uma QUESTÃO de "BOM SENSO" e AJUSTE DE NOSSOS RECURSOS E POSSIBILIDADES ...e NÃO MOTIVO DE "COMPLICAÇÕES " ou "MUITO BARULHO POR NADA"...entende?
    ---
    cá ENTRE NÓS, estas FRASES ficaram SUPER ENGRAÇADAS ...O "folgar e desafogar essa perda" está DEMAIS !!!
    ____
    SEU TEXTO traz CURIOSIDADE. Saudações, Ezyr Miriam

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  5. Eu juro que aprovei os outros comentários, mas eles sumiram.
    O do cinema, o da freqüência, o do porque não publico comentários. Eu não sei lidar bem com esse mecanismo, melhor é liberar os comentários direto, ou voltar com o sistema sem comentários. Obrigado a todos.

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  6. Cintia10/1/10

    Oi Alan!
    Legal vc ter aberto pra coments!
    Não entendo nada de Nietzsche,
    mas achei o texto engraçado.
    Era pra achar mesmo?
    :D
    Se vc está tendo dificuldades pede uma orientação pro Claudio ou pro Lúcio Jr.
    Conhece o blog do Lúcio? Muito bom tb!

    beijos!

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  7. Adorei esse post e peço autorização para reproduzir.

    O Escobar seria o Carlos Henrique Escobar?

    A academia tem disso com o Nietzsche mesmo, é uma filologia nietzschiana. Meu amigo Rogério, que fez doutorado em Nietzsche e foi à Alemanha reforçar esse estudo, tb já me falou dessa necesidade de estudar os jogos de palavras. Quando lhe falei que também tenho um disco com as composições de Nietzsche e gosta da leitura do Deleuze, ele foi evasivo. E agora tenho o filme: Dias de Nietzsche em Turim, maravilhoso.

    Estudei alemão um ano, mas mesmo assim não entendo os fragmentos direito, só uma palavrinha ou outra.

    Tem uma passagem onde o trocadilho é famoso: deutsches reich reich, algo como onde a alemanha reina...mais adiante ele diz que estiola a cultura.

    Mas realmente, uma olhadinha nas traduções já feitas não faz mal algum, né?

    Abs do Lúcio Jr.

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  8. FELIZ ANO NOVO, ALAN!!!

    Vim aqui porque ESTAVA visitando O SUPER BLOG DO CLÁUDIO MARTINS , agora com a SUPER BAGAGEM de ENTREVISTAS ...e A ENCENAÇÃO INÉDITA E ANTOLÓGICA da OBRA DE ARNOLD SCHOENBERG feita pelo mestre DRAMATURGO SEMIÓTICO, Mr. GERALD Thomas. A LUA é LUGAR de "habitat E PERSONAGEM nesta PEÇA-MUSICAL DODECAFÔNICA "PIERROT LUNAIRE ou LUAR TROVADO" . Muito REVOLVENTES estas CONSTELAÇÕES ou "SIGNOS em MUTAÇÃO" ( como diz a DRA. LÚCIA SANTAELLA) assim como este seu TEXTO sobre UMA AULA sobre NIETZCHE.

    Manter COMENTÁRIOS é uma DINÂMICA de RECICLAGEM ou DISCUSSÃO sobre os TEMas q VOCÊ -como dono do blog - gostaria de DISCUTIR ou ficar debatendo com seus AMIGOS e CONHECIDOS como "um papo CABEÇA num EVENTO CULTURAL ...e não numa FESTA q não rola muito conversa BOA , só mais BEBERICAÇÃO e papo LEVE".

    Tem q TER TEMPO E PROJETOS de FAZER seu "diário" ou seu próprio "TABLOIDE ON-=LINE" que é O SENTIDO ORIGINAL de um BLOG.

    È um livro próprio sendo CRITICADO ou AMADO a cada instante PELOS LEITORES , LEITORAS.Ou é UM JORNALZINHO ou REVISTINHA como VITRINE da sua própria CULTURA, tornada PÚBLICA, se for BLOG SÉRIO, no sentido de serialismo...de CRIAÇÃO de MARCA PESSOAL , entende????

    bOM, se vc quiser ir mantendo aqui, até a próxima visita...byeee!!! Mas, não se importe c a frequência...VAI TOCANDO seu TABLÓIDE, ok??? Byee, Ezyr

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  9. eu, PARTICULARMENTE adooorrroooo, escrever meu COMENTÁRIO, e vê-lo PUBLICADO no seu BLOG LOGO, porque GOSTO DE COMENTAR bem E DE FAZER UM VERDADEIRO COMENTÁRIO ...não "notinhas de PASSADAS" , entende??? BYEEE, eZYR

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  10. Agora tem comentario?

    Alan: vc sempre me escondeu das Du sehr guttes Deutsch sprechen kanst. Das ist doch unglaublich!

    ich Congratulire Dich fuer dieses article.

    Es ist einfach fantastich!

    LOVE
    G

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  11. Valeu Ezir. Lúcio, claro que pode, e deixa eu ver o que escreveu o Dramaturgo lá na tradução do google. Entendi fantástico.
    Onde está o meu Der Leone Have Sept Cabeças?

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  12. ô, ALAN , vi um SUPER LIVRÃO TRADUÇÃO da "biografia de NIETSZCHE"
    de título "NIETSZCHE: O REBELD ARISTOCRATA". QUE INTERESSANTE esta TRADUÇÃO , não achas??? NEM SABIA QUE NIETSZCHE tava tanto EM VOGA...

    e POR CAUSA DO "LULÃO " como FIlmão COM A GLÓRIA PIRES de "mamaa" , IMAGINO que por causa desta GESTÃO LONGA DO PT no TOPO, né???...WAUUUU, publicaram UM FACSÍMILE do JORNAL DO OSWALD DE ANDRADE "O HOMEM DO POVO" q está lá NA LIVRARIA CULTURA.
    ___
    Quando eu trabalhava COM O MOVIMENTO FEMINISTA , e uma SUPER ESCRITORA com livro c TRADUÇÃO EM 23 LÍNGUAS "SE ME DEIXAM FALAR", a MOEMA VIEZZER fez um NOVO LIVRO e houve pesquisa sobre O NIETSZCHE e suas FRASES. Era considerado MACHISTA por ter "comentado sobre o TAMANHO DO CÉREBRO DAS MULHERES"...daí , EU , uma JOVEM UNIVERSITÁRIA NOVINHA, fiquei com MEDO DE LER O NIETSZCHE...nem fui LER "ALÉM DO BEM E DO MAL" que é UMA SUPER BÍBLIA LÚCIDA FILOSÓFICA para AS MENTES SEDENTAS de VISÃO DE MUNDO RESPIRATÓRIA NO MUNDO, né?

    Preferi LER O SUPER ....THE SUPER THE SUPER MODERNOS e TEÓRICO DAS ARTES NA ALEMANHA "WALTER BENJAMIN".
    Mas, RESPEITO DEMAIS "A POSIÇÃO NOVA que NIETZSCHE abriu para AS SOCIEDADES LÚCIDAS E CONSCIENTES dentro da ALEMANHA e de TODA A EUROPA, no século XIX e XX.

    O VAMPIRE DE CURITIBA o adooora também ...e acho q O GERALD THOMAS e muitos HOMENS ESCLARECIDOS E MULHERES , mas EU SÓ TENHO "OLHOS E TEMPO" para LER A FONTE DE nossa TRADIÇÃO DA INVENÇÃO E CONCRETISTA desde ESZRA POUND, MALLARMÉ ...STENDHAL (q não LI AINDA...)...E OS nossos MAIORES MESTRES ANTROPÓFAGOS-AUTO-REGULADOS E EDUCADOS , de BOAS MANEIRAS e "mergulhados NA NOSSA FONTE DAS SINCRONIAS ...e não NO TRONCO LINEAR DAS DIACRONIAS ...ou das forças CRONOLÓGICAS ...somos APENAS VISÃO ICÔNICA E SINCRONICISMOS...PRESENTIDADE E OMNIPRESENÇA da LUZ de nossos CONHECIMENTOS de ALMA NOVA, LIVRE ", entende??????

    Até uma nova visita .byeee!!!

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