Comprei um tênis em uma loja em São Paulo. Pesquisei bem antes, longe da 25 e Brás, porque comprar tênis hoje em dia é um suplício. Antes da China se tornar um sucesso subcapitalista, você ia lá e comprava um All Star ou um Bamba e saía feliz. Comprava um Adidas, Le Coq ou um Toper sem susto.
Hoje tem que rolar uma pesquisa sobre a loja também.
O tênis foi caro, o que poderia garantir originalidade.
Passado um mês, da sua sola saiu um papelão – um alien roxo-cinza “ esguleprado.”
Levei de volta:
- O gerente está?
- Quem deseja?
- Um cliente. ( Mas quase saiu: a polícia! )
Um momento. Dois momentos, três...
- Pois não.
Seu crachá tinha um Dilson na cartolina plastificada.
- Amigão ( que é assim que se fala aqui para dar uma nivelada ), comprei esse tênis aqui há um mês e olha o estado dele. Saiu um papelão da sola, por dentro, por baixo.
- Não entendi: o senhor comprou um tênis aqui e ele já está nesse estado? Não pode ser. Tem a nota?
- Infelizmente não sei onde está a nota, porque confiei que ele fosse original, e que durasse ao menos até o fim do verão. Mas sei quem me vendeu. Foi aquela amigona ali.
Olhamos juntos para ela, ela olhava lá para a rua, vazia. Havia um ar de Pietà nela que quase me arrependi de tudo o que fazia.
- Eudinéia, foi você quem vendeu esse tênis para esse senhor?
- Não estou me lembrando do senhor, desculpe. Mas...
- Você disse que tinha família em Minas, se não me engano em Patos, quando eu comentei sobre seu sotaque, lembra?
- Ah, então deve ter sido sim, sô.
- Pois então, eu enviei um e-mail para os fabricantes no Sul, mas eles não reconhecem esse modelo como produto deles. Mandei até uma foto, hoje está uma facilidade para se comunicar, né não?
- Eu, como gerente, garanto ao senhor que só trabalhamos com produtos originais aqui.
- Sim, tudo bem, mas como vai ficar? Eu quero o dinheiro de volta. Pronto. Terminamos isso aqui.
- Não, senhor, não devolvemos em espécie. Eudinéia, acompanhe esse cliente para que escolha o que quiser no valor do tênis – e faça um abatimento também.
- Não quero não, amigão, quem me garante que outros tênis não sofrerão do mesmo mal?
Passado uns dias, fui ao Procon. Achei a nota fiscal: estava dentro da Bíblia que ganhei de uma aluna – uma Bíblia dourada onde sempre enfio o resultado das compras, como se reconhecesse as bênçãos. E sempre me esqueço disso.
Avançando: o resultado. Procon está rápido.
Eudinéia ficou como suspeita de “plantar” tênis piratas na loja pela própria loja. Foi o que eu entendi o Dilson falar.
Ele puniu a vendedora com uma licença para que prove mais confortavelmente que não fazia essa tramóia. E ficou furioso com essa atitude de sua funcionária: estava bufando com ela nos corredores do Procon.
Soube depois que foi transferida para o almoxarifado. Uma sorte não ter sido demitida ( com certeza contou com a boa vontade do gerente que, mesmo sabendo que ela errou, sentiu que ela não pecaria mais ).
Soube pelo próprio gerente dessa punição, no dia em que fui pegar de volta meu dinheiro, largando o tênis estraçalhado no chão da loja, já com as prateleiras modificadas.
O chão estava repleto de serpentinas.