04/11/2010

Entre mouros e ferinos safaram-se todos

Depois de um segundo turno horrível – absolutamente desgastante, mesmo para quem estava independente, com temas medievais: cruzadas e anti-cruzadas. Eu estava vendo a hora da cruz arder na fogueira. Já vimos no Brasil Nossa Senhora ( ora pro nobis! ) levar um bico de um bispo evangélico. Já vimos os Orixás sendo tratados como demônios e encostos, e a salvação sendo parcelada em 3 x no cartão nas madrugadas.
Tempos da kaliunga, o indiano Ganesh me ditou de longe.
Depois de Serra mostrar-se absolutamente por fora do que significa ser mineiro, e sequer perceber que Aécio falava por código com seus conterrâneos: jamais teria o tucano o que esperava de Minas. Kennedy Alencar no artigo Colheram o que plantaram, na Folha, explica parte disso.
Depois de o presidente Lula atravessar o perigoso caminho da divisão da sociedade: atingir a imprensa com um estranho desconhecimento do seu papel ( e a revelação, sempre empolada, das tais 4 famílias que dominam a informação no país voltou à cena pelos ideólogos do partido), depois de denunciar a armação da oligarquia tendo boa parte dela o apoiando e demonizar a privatização sem ter re-estatizado sequer uma mísera empresa em 8 anos ( a RFFSA seria uma boa, mas nada ).
Depois desses debates vazios sobre o que se faria com o país, eis que chegamos à eleição da presidente Dilma.
A esperança que possa existir no país um governo onde a corrupção seja banida é sempre uma esperança. Se a corrupção for banida, com certeza, a miséria acaba muito antes. A quantidade de dinheiro que foi desviada em décadas, alguém, por acaso, tem noção?
Se tiver a coragem de encarar uma auditoria nas dívidas públicas, a presidente poderia criar um novo caminho – afinal, o que esses números exorbitantes escondem? Tenho certeza de que passará ao largo disso – isso sim é um dogma. Brizola diria hoje: é o establishment, idiota! Mas essa fala não foi resgatada na campanha com seu tom tão brizolista, nem o perdas internacionais, que está vindo forte lá na passarela.
Se quiser mesmo de fato ser respeitada pelos que não a apoiaram, mais que estender a mão, a presidente terá que mostrar que seu lado enérgico e gerencial vai muito além do me traíram, do não li ou não sabia - expressões que marcaram o atual governo, e que a cada dia irritam mais e mais cidadãos. O resultado da eleição está aí para confirmar isso. A oposição está mais que viva com seus 10 governadores e 44% do eleitorado.
No que se refere aos seus discursos pós-eleição, a presidente está surpreendendo. Parece demonstrar que de fato buscará uma administração diferente da atual, que é a dela também.
Disse que é radicalmente contra apedrejamentos no Irã, ato bárbaro, e que não vai lotear seu governo. Que somente pessoas competentes e imaculadas assumirão cargos.
Se marcar essa diferença, e superar a sempre fácil aliança com o fisiologismo, vai criar uma nova personagem: uma presidente nada convencida – tomara!
De qualquer forma: boa sorte, senhora presidente. Não vai dar para acompanhar assim seu mandato, preciso me desligar desse cotidiano político.
Estou crente que só a saída de cena do presidente Lula já vai ajudar a todos, inclusive a ele mesmo. Precisamos todos de um descanso desse nunca na história desse país. Mas de vez em quando vou dar uma olhada para ver se a senhora consegue mesmo firmar esse ponto. Só por curiosidade, mas também uma certa torcida para ver como a senhora lida com seu enigmático vice e o PMDB, e com essas mudanças repentinas que a senhora apresentou nesses últimos dias em relação aos documentos do seu próprio partido.
Pois compromisso em acompanhar e fiscalizar seu mandato tem mesmo quem quis esfolar ou calar cada oponente
para elegê-la.
Entre mouros e ferinos safaram-se todos.
Amém.