Ontem estive com L. F. Lima e Silva nos Jardins. Ela estava vestida para o jardim, com um conjunto cinza de algodão cru e uma sapatilha de tecido branco. Não me encontrava com ela desde a polêmica em que se envolveu por acaso em um leilão com um crítico de arte: quando acabou provando que um objeto não era verdadeiro.
Percebi que o esmalte a mortiçava um pouco, algo azul – lilás. Preferi não olhar mais para suas mãos leves e restauradas, mas isso era quase impossível, pois o anel de diamante piscava bem em sua coxa. Sentava-se em um lindo banco de imbuia estilizado em bambu ( ela me disse que lera em um site que a imbuia era resistente ao ataque de organismos xilófagos ). O banco a adornava mais ainda, às vezes parecia uma estátua de marfim, se vista de lado. Ajudava parecer assim porque movia apenas a mão direita, como se buscasse o rapé. Falava-me nessa tarde de suas agruras e sofrimentos repentinos, como a cena que presenciara na Alameda Santos há uma semana: uma criança tentara comunicação com ela, lhe pedira uma esmola no semáforo, sem aviso. (Mas ela falou sinal, porque tinha formação carioca, e foi lá que desenvolveu essa elegância despojada, como se estivesse sempre saindo do banho em direção ao sofá, desprezando compromissos). Bem, uma criança pedia uma esmola no semáforo e ela, condoída por ver aquela criancinha de nariz sujo e olhar inquieto arranhar o vidro laminado de sua Mercedes, ordenou ao motorista que abaixasse o vidro o suficiente para lançar por ali uma nota de 20, certamente a menor que encontrara em seu pequeno estojo indiano de madrepérolas. Nesse instante, ela continua – buscando com o olhar um lírio que ameaçava abrir uma flor no jade - nesse instante o carro avançou, pois o sinal abrira. A nota, após agarrar na parte de cima da porta do automóvel, voou, tomou vida, e a criança – perdida e ansiosa – lançou-se contra a nota e o trânsito desumano do entardecer paulista. Eu nunca busco sair nessa fase do dia, mas foi inevitável, pois mudaram minha rotina.
E eu vi, Flávio, falava meu nome como se de um usuário de sua elegância, eu vi a cena tripartida, vi aquela criança sendo lançada pelos ares, como a nota. Não era um espetáculo de golfinhos, eu mesma não entendi porque pensei em golfinhos, veja: eu me atingi com cena tão rápida e cruel, com a aparição da menina - sua face ainda freqüenta minha memória ( se deixar de olhar o lírio? Pensei sem maldade. ). Imediatamente liguei para os bombeiros denunciando a urgência, mas tive que seguir adiante, pois o trânsito não permitia recuos. Soube que ela felizmente está em um hospital. Como li de um poeta, carioca como sua madamidade, foi o contato furioso da existência. L.F. Lima e Silva entrou no espaço do contato furioso da existência. Um silêncio pairou no amplo jardim desenhado para ser natural de L. F. Lima e Silva, não ousei interrompê-lo. Também acompanhei o lírio que trazia à vida aquela majestosa flor branca ( sem saber ao certo se chamava de lírio a planta ou a flor ). Ele enfeitava a entrada do pequeno templo ao seu deus Nada, tão adorado em seu círculo íntimo. Os dedos de L. arranhavam o algodão, como se prenunciasse um ataque de nervos. Depois percebi que era um chamamento para seu Birmanês que, li num site, acalmava nas crises. Tomamos o chá em respeitoso silêncio, vinha entardecendo rapidamente e seu diamante lançava sinais para o verde escuro da mata domesticada – comunicando o ponto de referência do chá para a criadagem, sempre rondando sua presença.
Até mesmo me esqueci que estava ali para convidá-la para a exposição de Aguino Matierrez: O Vazio, patrocinada pela sua fábrica de sabão.
Percebi que o esmalte a mortiçava um pouco, algo azul – lilás. Preferi não olhar mais para suas mãos leves e restauradas, mas isso era quase impossível, pois o anel de diamante piscava bem em sua coxa. Sentava-se em um lindo banco de imbuia estilizado em bambu ( ela me disse que lera em um site que a imbuia era resistente ao ataque de organismos xilófagos ). O banco a adornava mais ainda, às vezes parecia uma estátua de marfim, se vista de lado. Ajudava parecer assim porque movia apenas a mão direita, como se buscasse o rapé. Falava-me nessa tarde de suas agruras e sofrimentos repentinos, como a cena que presenciara na Alameda Santos há uma semana: uma criança tentara comunicação com ela, lhe pedira uma esmola no semáforo, sem aviso. (Mas ela falou sinal, porque tinha formação carioca, e foi lá que desenvolveu essa elegância despojada, como se estivesse sempre saindo do banho em direção ao sofá, desprezando compromissos). Bem, uma criança pedia uma esmola no semáforo e ela, condoída por ver aquela criancinha de nariz sujo e olhar inquieto arranhar o vidro laminado de sua Mercedes, ordenou ao motorista que abaixasse o vidro o suficiente para lançar por ali uma nota de 20, certamente a menor que encontrara em seu pequeno estojo indiano de madrepérolas. Nesse instante, ela continua – buscando com o olhar um lírio que ameaçava abrir uma flor no jade - nesse instante o carro avançou, pois o sinal abrira. A nota, após agarrar na parte de cima da porta do automóvel, voou, tomou vida, e a criança – perdida e ansiosa – lançou-se contra a nota e o trânsito desumano do entardecer paulista. Eu nunca busco sair nessa fase do dia, mas foi inevitável, pois mudaram minha rotina.
E eu vi, Flávio, falava meu nome como se de um usuário de sua elegância, eu vi a cena tripartida, vi aquela criança sendo lançada pelos ares, como a nota. Não era um espetáculo de golfinhos, eu mesma não entendi porque pensei em golfinhos, veja: eu me atingi com cena tão rápida e cruel, com a aparição da menina - sua face ainda freqüenta minha memória ( se deixar de olhar o lírio? Pensei sem maldade. ). Imediatamente liguei para os bombeiros denunciando a urgência, mas tive que seguir adiante, pois o trânsito não permitia recuos. Soube que ela felizmente está em um hospital. Como li de um poeta, carioca como sua madamidade, foi o contato furioso da existência. L.F. Lima e Silva entrou no espaço do contato furioso da existência. Um silêncio pairou no amplo jardim desenhado para ser natural de L. F. Lima e Silva, não ousei interrompê-lo. Também acompanhei o lírio que trazia à vida aquela majestosa flor branca ( sem saber ao certo se chamava de lírio a planta ou a flor ). Ele enfeitava a entrada do pequeno templo ao seu deus Nada, tão adorado em seu círculo íntimo. Os dedos de L. arranhavam o algodão, como se prenunciasse um ataque de nervos. Depois percebi que era um chamamento para seu Birmanês que, li num site, acalmava nas crises. Tomamos o chá em respeitoso silêncio, vinha entardecendo rapidamente e seu diamante lançava sinais para o verde escuro da mata domesticada – comunicando o ponto de referência do chá para a criadagem, sempre rondando sua presença.
Até mesmo me esqueci que estava ali para convidá-la para a exposição de Aguino Matierrez: O Vazio, patrocinada pela sua fábrica de sabão.